A mulher que enrolava sonhos com as pestanas
Tinham combinado encontrar-se num café próximo do trabalho dela. Não se viam desde o dia em que se tinham conhecido. Como todos os humanos se conhecem. Por acaso, fé e destino. Numa cidade que não era de nenhum deles.
Sentaram-se. Frente a frente. As palavras vagueavam pelo espaço, quais pássaros recém libertados e eles olhavam-se atentamente enquanto bebiam café. No fundo da chávena nenhum augúrio se depositava.
Estavam a descobrir-se. Cada palavra, cada ideia, cada sorriso desvelava mais um detalhe. E eles alimentavam-se de cada pedaço que se ia libertando para alimentar a esperança. Que esperança? A de que do outro lado da mesa estivesse alguém com quem pudessem respirar. É muito difícil encontrar alguém com quem se possa partilhar apenas o primordial, o essencial. E eles eram possibilidade, miragem e horizonte.
Tinham sido colocados pela primeira vez na presença um do outro no lobby de um pequeno hotel. Ainda estranhos. E agora estavam ali. Duas ilhas vulcânicas recém descobertas e colocadas frente a frente. Com promontórios de lava a correr e a estreitar distâncias. Simultaneamente estrada e vontade de a percorrer.
Os olhos dela preenchiam todo o espaço. E sempre que o olhava as suas pestanas enrolavam sonhos.
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