Oficina
O respirar dos adormecidos é um ruído que inquieta. Como se neles soasse uma outra alma.
Acompanhou-a até casa. Caminhavam lentamente. De vez em quando deixava-se ficar para trás só para a ver andar e absorver o perfume que se desprendia a cada passo. Desejou que o caminho não terminasse, que pudéssem caminhar mais uma hora. Mais um dia. Mas o caminho teve um fim. Junto à sua porta.
Mia Couto
Acompanhou-a até casa. Caminhavam lentamente. De vez em quando deixava-se ficar para trás só para a ver andar e absorver o perfume que se desprendia a cada passo. Desejou que o caminho não terminasse, que pudéssem caminhar mais uma hora. Mais um dia. Mas o caminho teve um fim. Junto à sua porta.
A porta que meses antes havia transposto perdido. Sem saber como controlar a respiração. Sem saber como se iriam encarar. Sem saber ainda que se iriam beijar longamente debaixo do chuveiro. Com a água quente a correr e a preencher todo o espaço numa névoa que deles se desprendia. Até ao ponto de não se verem. Até ao ponto de não saberem onde começavam e acabavam as suas línguas e como desatar os nós entretanto dados pelos dedos. Pelas mãos. Pelas pernas.
Nessa noite não transpôs a entrada da sua porta. Nessa noite não se despediram. Sabiam que algo mudara de forma irreversível e que por isso a despedida seria demasiado penosa, demasiado dolorosa. Demasiado real.
Desceu a rua. Respirando. Movimentando-se lentamente. Procurando que essa lentidão, essa lassidão invadisse o seu espírito. Procurando a calma através do movimento contido. Fechou os olhos.
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