Irene
Irene Correia Machado nasceu em 1908. Ainda Portugal era uma monarquia e o regicídio não tinha acontecido. Cresceu no seio de uma família de ricos lavradores. Aprendeu a ler enquanto tomava conta do gado. Era elegante. Alta. Bonita.
Cresceu e um dia apaixonou-se por um belo rapaz com um bigode à Rudolph Valentino.
Apaixonou-se e contra a melhor opinião do pai casou com ele. E foi feliz. Com a medida da felicidade. Tendo filhos. Teve 3. E a vida acontecia. Um dia esse homem decidiu emigrar. Era necessário melhorar as condições de vida da família. E como milhares de outros jovens portugueses, nessa década de 30, decidiu partir. Rumo a Terras de Vera Cruz.
Partiu. Deixando mulher e 3 filhos para trás. Prometendo que eles iriam ter com ele mais tarde. Por duas vezes a Irene juntou todos os seus bens, cortou o cabelo aos meninos e preparou-se para partir. Duas vezes foi parada por telegramas que falavam de imprevistos. Imprevistos esses que fizeram depois com que o dinheiro que vinha do Brasil deixasse de vir.
E a Irene ficou sozinha. Na década de 30. Com a guerra e a fome a espreitar. Numa pequena aldeia minhota. Cheia de sombras, levadas, recantos sombrios e fantasmas. Deste e do outro mundo.
Com 3 filhos para criar e alimentar.
Começou a trabalhar numa empresa têxtil. Todos os dias acordava às 5 e andava 7 quilómetros a pé até chegar ao trabalho. De Além do Ribeiro, Vermoim até Santana, em Oliveira Santa Maria. Eram 14 quilómetros por dia. 84 quilómetros por semana. E assim o fez enquanto a saúde o permitiu. Os filhos cresciam e o rapaz bonito com o bigode à Rudolph Valentino nunca mais regressou ou sequer deu notícias.
E a Irene segurou a casa, os filhos primeiro e as netas depois, como pôde. Como conseguiu. Enquanto conseguiu. Entre o poder e o dever. Sempre só. Uma gigante num mundo de homens.
Quadro por Julie de Bleeckere
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