Maria


 Senti pela primeira vez o seu olhar no meu na noitada das festas de Nossa Senhora do Rosário.
No dia seguinte, senti-o novamente na missa das 8. Quando saímos, a minha mãe olhou na direção dele com olhar reprovador. Mas ele não desviou o olhar. Continuou a olhar-me. Nos domingos seguintes continuou a fazê-lo. Até ao ponto de eu já não existir senão perante os seus olhos. A minha mãe sabia-o e por isso ia sempre comigo à missa ou pedia ao Moisés que me acompanhasse. E isto aconteceu durante semanas. Aconteceu durante meses. Até que um dia, o Moisés ficou para trás perdido nos olhos da sua Isaura. E eu fiquei finalmente ao seu alcance. Acompanhou-me até ao início do caminho. Tentou dar-me a mão e eu corri caminho acima enquanto me ria e cantava os últimos versos de um qualquer fado da Amália.
Nas semanas seguintes consegui sempre que a minha mãe não fosse à missa comigo. Depois de 3 semanas ele disse-me que iria casar comigo. E tentou-me enlaçar pela primeira vez. E eu fugi. Aprendi a esquivar-me depois de cada beijo. Mas da igreja até à nossa casa era um caminho longo. E permitia longas insistências.
A minha mãe sempre a resmungar. Sempre a avisar. Preserva-te, Maria. Preserva-te. As mulheres só podem ser desonradas depois de casar. Preserva-te Maria que sem honra uma mulher nada tem. E eu ouvia em silêncio.
E fugia. Durante horas, dias e meses. 
Até que numa tarde de Verão, depois da milésima promessa, depois de outros tantos beijos, de que casaríamos ainda nesse ano, eu finalmente entreguei-me. 


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